Como muitos já sabem, ser “ex-bolsista de Okinawa” é um dos meus traços de personalidade (risos).
Hoje vou apresentar as três bolsas de estudo em Okinawa das quais eu já participei, com a forte recomendação de que vocês busquem alguma também. Na minha opinião, ir para Okinawa é essencial. Não dá para conhecer Okinawa somente pelos livros. Especialmente, se você é descendente, precisa sentir o lugar e ter encontros que só o a experiência in loco permite.
Bolsa shichoson
Shi-chō-son são os municípios de Okinawa. Shi são os maiores, cho os médios e os son, os menores. Por exemplo: Naha-shi, Kadena-chō, Yomitan-son.
Vários municípios oferecem bolsas de estudo para descendentes. Eu digo “bolsa de estudo”, mas acredito que o conteúdo seja mais próximo de um estágio cultural, com o objetivo de ensinar a cultura de Okinawa e aproximar o bolsista da população local. Alguns oferecem um estágio na sua área de atuação profissional, dependendo do seu nível de japonês e se existe alguma empresa/instituição que pode te receber.
Período: varia conforme a cidade e também conforme o ano, podendo ser de 1 até 6 meses. O mês de início também varia bastante.
Requisitos: variam muito conforme a cidade, alguns definem idade mínima e máxima ou exigem japonês básico. Na minha opinião, sempre vale a pena tentar, pois na falta de candidatos ou por algum outro motivo, alguns critérios podem ser flexibilizados.
A entidade que você deve procurar é a associação do município no Brasil (ex: associação de Kadena, associação de Naha etc). Geralmente pedem que você participe da associação antes e/ou depois da bolsa, em eventos como shinnenkai e Okinawa Festival. Algumas tem página no instagram, outras não. Se não encontrar, contate a Associação Okinawa do Brasil que eles têm o contato de todas as associações das cidades de Okinawa.
Minha experiência: Bolsa de Kadena


Fui em 2008, de setembro a dezembro. Não pretendia ir, porque não queria trancar a faculdade. Porém, por falta de candidatos, eu fui porque me disseram: “se não há candidatos, há o risco de cortarem a bolsa”. Foi a minha primeira viagem para Okinawa e foi uma experiência transformadora.
Estudei no Hispanic Bunka Center, onde estudam muitos bolsistas das cidades do centro da ilha, como Kadena, Yomitan e Uruma. Tínhamos aulas de japonês, shodō, cerâmica, flower design e sanshin. (Sei que o conteúdo hoje está um pouco diferente mas basicamente é: japonês + cultura).
Como estava cursando Ciências Sociais e meu nível de japonês era básico, não havia lugar para eu fazer o estágio técnico. Então, pedi para fazer atividades culturais: karatê, kuchō e Ryukyu buyō (dança).
Fora isso, fiz Ryukyu Koku Matsuri Daiko e passeei bastante com minha família, com quem eu morei. Hoje, há a possibilidade da estadia ser em hotel.
Dica:
Procure a cidade de origem dos seus avós, o que está no koseki tohon, o registro da família. Às vezes, a pessoa pode ter uma origem, mas ter nascido em outra cidade. Exemplo: se a família tem origem em Oroku (Naha), mas um membro nasceu em Kadena, os descendentes dessa pessoa podem participar da bolsa.
Se você nunca foi para Okinawa ou se o seu nível de japonês não é muito bom, essa é indicada, pois a prefeitura costuma oferecer um apoio muito bom.
Bolsa da província de Okinawa (kenpi ryugaku)
Além de Okinawa, outras províncias do Japão oferecem a bolsa kenpi e os requisitos variam. Para Okinawa, um dos objetivos é fortalecer a relação entre Okinawa e Brasil. Por isso, pedem que o bolsista seja associado da Associação Okinawa Kenjin do Brasil e atuante na comunidade ou que tenha planos de fazê-lo após o retorno.
Funciona basicamente assim: você pode escolher 1) uma universidade ou um 2) estágio. Nas universidades, o principal serão aulas de japonês e, dependendo, também haverá aulas e atividades relacionadas à cultura e história de Okinawa. São essas: Universidade de Ryukyu, Universidade Internacional de Okinawa e Universidade Meio.
Uma exceção é a Universidade de Artes de Okinawa, onde o foco não é o japonês, mas sim a área de estudo do bolsista. Você pode escolher as artes tradicionais (música e dança de Okinawa) e também artes visuais. É importante já ter conhecimento na área, pois você deve mandar video e portfólio.
Sobre o estágio, as opções que eu vi até agora: fabricação de sanshin, bingata e culinária. Os bolsistas frequentam o ateliê e ficam trabalhando (e aprendendo). Geralmente, a carga horária é maior e a experiência é totalmente diferente da de um ambiente universitário. Também há a possibilidade de ter aulas de japonês.
Minha experiência


Decidi ir para a Okinawa International University porque vi que tinha muitas aulas interessantes na parte de história de Okinawa. Me matricularam na aula de japonês intermediário, com aulas todos os dias até pouco depois do almoço. Depois o tempo era livre. Por isso, peguei várias aulas como aluna ouvinte, de história de Okinawa, bases militares, história das mulheres em Okinawa, feminismo. Essas aulas eram disponibilizadas para alunos de todos os cursos (tipo créditos livres – e não aulas para um curso específico), então não eram tão especializadas e os alunos não participavam muito. Mas, para o meu nível de japonês foi muito bom, pois consegui ter contato com um vocabulário mais específico e aprender muitas coisas.
Também participei do grupo de eisá tradicional Ryukyu Kajimaya, da própria universidade. Uma amiga fez aulas de kendo e de dança do ventre. E também frequentei aulas de sanshin em outro local, na Universidade de Ryukyu. Por conta própria, fiz trabalho voluntário em uma ONG (Okinawa NGO Center), organizando materiais e participando de eventos. Também tive a oportunidade de escrever um livro infantil com duas colegas: “Lilian vai a Okinawa”.
Em comparação com a bolsa shichoson, na bolsa kenpi você é totalmente independente. Tem que pagar as contas, não tem carona para ir aos nos compromissos. Eu tive que comprar e pegar emprestado alguns móveis com minha tia (geladeira, máquina de lavar, mesa). Mas, existe um lado muito bom dessa liberdade e de aprender a se virar em outro país. Por sorte, não tive grandes problemas. Consegui fazer mais amizades e aprender um trilhão de coisas.
Dica:
Para o processo seletivo, é importante ter um objetivo bem definido e que almeje retribuir o aprendizado para a comunidade no futuro — a bolsa é mais ampla que você e sua carreira. Quanto melhor for seu nível de japonês, mais consegue aproveitar.
Procure conhecer a universidade e o que ela oferece. Também procure outras organizações e grupos para conhecer pessoas fora do seu círculo de estudos.
Bolsa da JICA
A JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) oferece muitas bolsas em diferentes modalidades. A que eu participei faz parte das bolsas voltadas para nikkeis, que se dividem nas modalidades abaixo:

Eu participei do treinamento em Yokohama junto com os bolsistas da modalidade Bolsa Específica. Alguns exemplos dessa bolsa em Okinawa (2024):

A minha bolsa faz parte de outra modalidade: Programa de Apoio aos Nikkeis no Japão (ou Programa da Promoção Multicultural). Como o próprio nome já diz, as bolsas são voltadas para apoiar a comunidade nikkei no Japão. Então, organizações que atendem nikkeis, como escolas, recebem estes bolsistas. A minha impressão é que esta modalidade é mais parecida com um trabalho – mais do que aprender, as pessoas vão para apoiar a organização. Por exemplo, alguns colegas ajudaram os alunos direto na sala de aula e outros atuaram como tradutores.
A JICA possui uma estrutura muito boa. Ela oferece alojamento e o necessário para o seu dia-a-dia, arcando com todos custos. Outra organização ou empresa (na tabela: “Local de Treinamento no Japão”) que é responsável pela programação e conteúdo. Em alguns casos, o treinamento ocorre no prédio da JICA, em outros casos, na própria empresa. Dependendo, há atividades externas (visitas, passeios).
Minha experiência


O nome da minha bolsa foi : “Atividade de difusão do legado nikkei usando a rede Uchina”. Foi a primeira vez que dessa modalidade (Apoio aos Nikkeis) em Okinawa, então eu não tinha muita clareza sobre o conteúdo. Grande parte foi em conjunto com o outro bolsista, de “Gestão comunitária sustentável utilizando o Uchina network”. Fomos a eventos, visitamos museus e sítios históricos, participamos de workshops.
A execução da bolsa foi por conta do WYUA (World Youth Uchinanchu Association), empresa que trabalha com o network entre uchinanchus. Foi com eles que realizamos o primeiro Festival Mundial de Jovens Uchinanchus no Brasil em 2012, quando ainda eram um grupo de estudantes. Por isso, eles já tem mais contato com pessoas do exterior e a comunicação é mais fácil. Um ponto positivo é que pudemos escolher muitos dos passeios e workshops. Como foi a minha 3ª bolsa, foi muito bom, pois consegui conhecer muitos lugares diferentes. Essa foi a parte mais voltada para a cultura e história de Okinawa.
Paralelo a isso, eu também deveria fazer algo como parte da bolsa de Apoio aos Nikkeis no Japão. Pelo YouTube e redes sociais, eu estava observando que estava crescendo a quantidade de nikkeis em Okinawa que não eram conhecidos ou conhecidos de conhecidos. Ou seja, pessoas além da rede de ex-bolsistas ou de de pessoas ligadas às artes. A partir daí, decidi fazer uma pesquisa sobre os nikkeis em Okinawa. Por eu ser a primeira bolsista da modalidade, além de ser cientista social, considerei que ia ser positivo juntar informações para que os próximos bolsistas consigam implementar algum projeto.
No geral, gostei bastante da experiência. Apesar do dia-a-dia na JICA ser menos livre do que eu já estava acostumada, os pontos positivos compensam muito e, em relação ao conteúdo da bolsa, foi um dos mais legais que já tive. Tive bastante liberdade para realizar a pesquisa e consegui ainda organizar 2 eventos. Um deles foi um passeio para Yomitan, com os brasileiros vivendo em Okinawa, para apresentar lugares menos turísticos e com informações sobre história e cultura em português. (Acho que vou fazer um post depois, foi muito legal!)
Outro evento, logo no começo da bolsa, foi para falar sobre a hajichi, aproveitando a presença da Hiromi Toma (hajichaa brasileira) em Okinawa. Também participaram a Moeko Heshiki (hajichaa em Okinawa), a Renata Kawano (de Campo Grande, como tradutora) e a responsável pela minha bolsa, Mano Taira. Foi significativo ter falado sobre hajichi da forma como falamos numa instituição japonesa como a JICA.
Dica:
As bolsas específicas da JICA para Okinawa tem menos restrição de idade e não exigem tanto conhecimento em japonês, pois há tradutores (exceto as bolsas do WYUA, que tem como requisito o japonês nível N3). Se você é nikkei, mas não é uchinaanchu, também pode participar, diferente das bolsas shichoson e bolsa kenpi.
Conclusão
Pelo que conheço, Okinawa oferece mais bolsas de estudo que outras províncias. Nós temos que aproveitar essas oportunidades, mas também retribuir quando for possível. Os uchinaanchu que emigraram enviaram muito dinheiro para Okinawa, o que causou grande impacto nos familiares que permaneceram, nas vilas e na província inteira. Assim, dizem que essas bolsas para descendentes são uma forma de retribuição a esses imigrantes que tanto apoiaram Okinawa em tempos difíceis.
Essas são apenas 3 bolsas, mas existem muitas outras. Siga o Urizun – Círculo de Ex-Bolsistas de Okinawa, pois lá sempre são divulgados os processos seletivos. Também é importante se atentar aos requisitos e ler bem os editais, que podem mudar conforme o ano. Assim, muito do que você leu aqui no blog pode nem estar valendo mais.
Outra coisa, muitas pessoas com quem eu converso não falam japonês e desistem de tentar. Eu sei que é fácil falar, mas tente entrar num curso de japonês. Quando eu comecei, eu achava que era velha (risos), pois tinha acabado de entrar na faculdade. Eu conhecia pessoas que haviam frequentado o nihongakkou desde criança e os meus melhores amigos tinham feito aulas durante o Ensino Médio (e eu não tinha condições de pagar). Achava que era tarde demais, mas ainda bem que comecei. Hoje fico feliz quando vejo a diferença de nível entre a minha primeira ida a Okinawa (2008) e a última (2025). (14 anos meudeus!!)
Por fim, só queria comentar que hoje podemos aprender muito sobre Okinawa pela internet e pelos livros. Porém, ir para lá proporciona um aprendizado diferente. Eu também acredito muito na importância da parte espiritual. Para os uchinaanchu, essa viagem representa um retorno para casa, para perto dos seus ancestrais. E lá costumam acontecer coisas engraçadas, coincidências e descobertas que me levam a crer que não são obra do acaso, mas sim, dos nossos antepassados que estão nos guiando de alguma forma.
Se você pensa em ir, mas…
“aaah sei láa”
“não conheço”
“não sei”
Se mexe e vai logo atrás disso, criatura!!
ps: se precisar de ajuda, pergunte ao Urizun (ou para mim).
Contatos do Urizun – Círculo de Ex-Bolsistas de Okinawa:
https://www.instagram.com/urizun.kai/

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