
Apresentação
Em 2025, completam-se 80 anos da Batalha de Okinawa. Foi a única batalha corpo-a-corpo em território japonês e causou a morte de cerca de 1/3 da província. Até hoje, Okinawa sofre as consequências dessa tragédia. Dizem que a Batalha de Okinawa ainda não acabou. Durante as próximas semanas, acompanhe os principais eventos e episódios no Boletim Ikusa-yuu.
Ikusa significa “guerra”, e yuu se refere a um “tempo”, “mundo” ou “sociedade”. Assim, ikusa-yuu é a palavra em uchinaaguchi para se referir à “época da guerra”.
O objetivo aqui não é ser uma mera linha do tempo ou descrição dos fatos. Vamos destacar as particularidades dessa batalha e sua relação com a história anterior e posterior. Após 80 anos, ainda existem questões mal resolvidas que precisam ser discutidas, inclusive no Brasil, onde há uma grande comunidade de uchinaanchu, mas poucas informações estão disponíveis em português.
Yutasarugutu unigee sabira
Os caminhos para a guerra
As transformações da Reforma Meiji
Em 1879, o reino de Ryukyu foi extinto e se tornou a província japonesa de Okinawa, no contexto da Reforma Meiji, que visava transformar o Japão em uma grande potência. Os cidadãos deveriam seguir novos padrões com a chegada da “civilização”, abolindo costumes considerados “bárbaros” como a hajichi (tatuagem feminina), as línguas nativas e a vestimenta. Nesse processo de “japonização”, também foram erigidos torii (portais japoneses na entrada de templos) em frente aos utaki (locais sagrados na espiritualidade de Ryukyu).
Na área da educação, foi proclamado o Kyōiku Chokugo (教育勅語 – Édito da Educação), que instituía uma reforma baseada em valores como patriotismo e lealdade ao imperador. Tal documento, juntamente com a foto do imperador, foram dispostos em pequenas construções nas escolas, chamadas de hōanden (奉安殿), em frente às quais os alunos deveriam fazer uma saudação diariamente.

Ao mesmo tempo, através do slogan “país rico, exército forte” o país seguiu o caminho da militarização. O serviço militar se tornou obrigatório e o país se envolveu na Guerra Sino-Japonesa e Russo-Japonesa. Na competição com as potências ocidentais e em busca de recursos naturais, o Japão invadiu territórios na Ásia, até que entrou na Segunda Guerra Mundial em 1941 com o ataque a Pearl Harbor.
A militarização de Okinawa
Entre os séculos 19 e 20, começaram os movimentos migratórios para as Américas, ilhas da Micronésia (Nan’yō) e outros territórios ocupados pelo Japão. Quando a guerra chegou nas ilhas do Pacífico Sul (1944), além dos habitantes locais, os imigrantes também foram vítimas. Entre os 15 mil japoneses mortos, 13 mil eram okinawanos, grande parte nas ilhas de Saipan e Tinian.
Quem permaneceu em Okinawa sofreu a grave crise econômica, que ficou conhecida como “inferno de sotetsu“. Sem nem mesmo batata-doce para comer, as pessoas recorriam ao preparo cuidadoso do sotetsu, planta tóxica conhecida em português como sagu-de-jardim.
Em março de 1944, à medida em que a guerra em Okinawa parecia inevitável, foi estabelecido o 32º Exército (Forças de Defesa de Okinawa), cuja missão era a construção de bases aéreas e demais instalações militares. Além disso, foram construídas bases navais e um enorme contingente de soldados japoneses foi transferido para a província (9ª, 28ª, 24ª e 62ª Divisões e duas brigadas independentes mistas: 44ª e 45ª). Foram construídas bases em várias ilhas, como Miyako, Ishigaki, Minami Daito e ilha de Okinawa – incluindo a base de Kadena, que é atualmente uma das mais importantes do exército estadunidense.
Também foram instaladas inúmeras casas ou estações de “conforto”, bordeis que utilizavam o trabalho sexual de mulheres escravizadas, em sua maioria coreanas. Só em Okinawa, existiam 130 desses estabelecimentos. (Temos um post bem detalhado sobre as “mulheres de conforto” em Okinawa – clique aqui.)
Visando a preparação para a guerra, o Japão instituiu o “Sistema de Mobilização Total” (1937), destinando todos os recursos do país para o conflito. Assim, todos os aspectos do cotidiano passaram a ser regulados sob essa orientação: a mídia, o sistema financeiro, os recursos materiais e a força de trabalho. Em Okinawa, isso significou: construir instalações militares, prover comida aos soldados, doar metais, ir ao Japão trabalhar em fábricas de munições, etc. Todos foram obrigados a colaborar, inclusive os estudantes, que tiveram as aulas substituídas por treinamento militar e trabalho na construção de bases. Posteriormente, civis foram obrigados a complementar as forças militares – ou seja, lutar na guerra.

Fonte: ひめゆり平和祈念資料館ガイドブック

Fonte: 沖縄県平和祈念資料館:総合案内
1944
Apesar de se considerar que a Batalha de Okinawa teve início em 1945, em 1944 já houve episódios trágicos.
Em 1944, o Japão decidiu evacuar mulheres, crianças e idosos de Okinawa, sobretudo para economizar alimentos. O destino previsto era Taiwan e o Japão (ilha principal), mas também o norte da ilha (Yanbaru). Em agosto, o navio Tsushima Maru partiu rumo a Nagasaki levando mais de 800 crianças, mas logo foi abatido pelo exército dos Estados Unidos.
Logo depois, em outubro de 1944, houve o Bombardeio de 10/10, realizado em uma sequência de cinco ataques, com mais de 1.000 aeronaves no total. Foram atingidos: bases aéreas (Kadena, Yomitan e Naha) e portos e navios (Naha), além de outras cidades. Cerca de 90% da cidade de Naha foi destruída.

Fonte:Arquivo Público de Okinawa
Concluindo…
Para as próximas edições dos boletins, é importante lembrar que:
- Okinawa, uma pequena província, estava abarrotada de instalações militares quando a guerra começou: bases aéreas, navais, bunkers e estações de conforto, assim como um enorme contingente de soldados japoneses.
- A militarização também atingiu a população civil, que estava sendo preparada para a guerra desde a Reforma Meiji, com a educação voltada para a lealdade ao imperador e valores nacionalistas . A mobilização para a guerra, por exemplo, através da construção de bases e treinamento militar, fizeram com que a população civil tivesse um contato extremamente próximo com o exército japonês, com muitos episódios de conflito, conforme trataremos depois.
Referências:
沖縄県平和祈念資料館(2014年).『総合案内』.
ひめゆり平和祈念資料館(2023年).『ひめゆり平和祈念資料館ガイドブック:展示と証言』.

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