Chibichiri-gama e Shimuku-gama

Uma das características naturais de Okinawa é a existência de cavernas, em várias regiões. Conhecidas como “gama”(ガマ), na língua de Okinawa, serviram de refúgio para muitas pessoas durante a Segunda Guerra Mundial.

Ainda hoje, muitas destas cavernas existem, e é possível entrar em algumas delas. Cada uma possui uma história, e por isso é possível aprender bastante sobre a guerra visitando-as. Em algumas, como Abuchira-gama (Nanjō), existem visitas guiadas e certa infraestrutura que facilita o acesso, enquanto outras permanecem esquecidas no meio de florestas. Desde que vim pra Okinawa entrei em várias cavernas usadas como refúgio durante a guerra: Abuchira Gama (Nanjō), Todoroki no Gō (Itoman), uma pequena caverna em Kōchi (Nishihara), Shimuku-gama (Yomitan), a caverna do templo de Futenma (Ginowan), entre outras.

Há cavernas onde não houve nenhuma vítima, como a Shimuku-gama, e cavernas que foram palco de episódios horríveis, como a Chibichiri-gama. Ambas estão localizadas em Yomitan, a menos de 1 km de distância uma da outra. Entretanto, elas tem histórias muito distintas.

Chibichiri-gama(チビチリガマ)

Entrada de Chibichiri-gama

Chibichiri Gama é o cenário de um dos episódios mais conhecidos de suicídio em massa compulsório (“shūdan jiketsu”) ocorridos em Okinawa. No bombardeio do dia 10 de outubro de 1944, a caverna foi usada como refúgio pelos moradores de Namihira. No ano seguinte, no bombardeio de 23 de março, 140 pessoas se esconderam em Chibichiri-gama.

No dia 1 de abril, os americanos desembarcaram em Yomitan, chegando à caverna rapidamente. Lá, soldados americanos disseram para os moradores saírem da caverna, afirmando que não iriam machucá-los. Entretanto, sem entender inglês e desconfiados, ninguém respondeu à ordem. Um dos homens que estava dentro da caverna atacou os soldados com uma vara de bambu, e acabou sendo morto (há fontes que dizem que foram 2 ou 3 pessoas).

Então, alguns começaram a cogitar o suicídio. Numa primeira tentativa, colocaram fogo em um cobertor, mas foram impedidos por algumas mulheres que queriam proteger seus filhos. Iniciou-se então uma discórdia entre aqueles a favor e contra a ideia.

Entretanto, dominadas pelo medo, não demorou muito para que as pessoas começassem a se suicidar, resultando em 85 mortes dentre as 140 pessoas que estavam na caverna. Mais da metade das vítimas tinha menos de 18 anos, sendo estranguladas e envenenadas pelas mães. Havia uma enfermeira que havia ido para a batalha na Manchúria e ainda possuía seus medicamentos. Várias pessoas se organizaram numa fila para receber a injeção venenosa com o intuito de acabar suas vidas.

Os que resistiram à ideia do suicídio acabaram saindo da caverna, sobrevivendo à guerra. Porém, o relato do que aconteceu em Chibichiri-gama só foi levado ao público em 1983, 38 anos depois da guerra, quando as famílias dos mortos criaram uma associação para rememorar as vítimas.

Em 1987, juntamente com os moradores, o escultor Minoru Kinjō ergueu um monumento homenageando as vítimas, que foi destruído sete meses depois por um grupo de extrema direita. Em 1995, 50 anos após o término da guerra, o monumento foi reconstruído. Atualmente, não se pode entrar na caverna.

Obra do escultor Minoru Kinjou
Obra do escultor Minoru Kinjō
Obra do escultor Minoru Kinjou - detalhe
Obra do escultor Minoru Kinjō – detalhe
Obra do escultor Minoru Kinjou - parte de dentro, vista pelas frestas
Obra do escultor Minoru Kinjō – parte de dentro, vista pelas frestas

Shimuku-gama(シムクガマ)

Caminho para Shimuku Gama
Caminho para Shimuku-gama
Entrando em Shimuku Gama
Entrando em Shimuku-gama

Localizada a apenas 1 km de Chibichiri-gama, está a Shimuku-gama, onde se esconderam cerca de 1000 moradores da região de Namihira. Nesta caverna não houve nenhuma morte.

No final de março, com a intensificação dos ataques pelos americanos, os moradores se refugiaram em Shimuku-gama. Logo após o desembarque, os americanos chegaram à caverna. Da entrada, diziam “Come on, come on!”, enquanto os moradores estavam acuados e desesperados no fundo da caverna. Entre eles, estavam dois homens, Heiji e Heizo Higa, que haviam imigrado para o Havaí e retornado pra Okinawa, e por isso falavam inglês. Estes tentaram convencer os demais que os americanos não iriam matá-los (“amerikaa ga chukurasandoo”).

Os dois acabaram convencendo os demais e todos saíram da caverna, sendo levados aos acampamentos. Entretanto, a tensão persistiu no caminho, devido à lavagem cerebral que havia sido feita pelos soldados japoneses antes da guerra: “se vocês se tornarem prisioneiros, mulheres serão estupradas; homens e mulheres não serão tratados como humanos e serão mortos”. E foi justamente esse temor que fez com que os moradores refugiados em Chibichiri-gama e em muitos outros lugares preferissem a morte.

Atualmente, é possível entrar na caverna, onde há um monumento construído em 1995, homenageando Heiji e Heizo Higa.

Dentro da caverna
Dentro da caverna
Monumento em agradecimento a Heiji e Heizo Higa
Monumento em agradecimento a Heiji e Heizo Higa

Ainda hoje, a questão do suicídio em massa é um tabu. As mortes devem ser consideradas escolhas pessoais ou ordens dos soldados japoneses? Os soldados japoneses são ou não culpados pelo suicídio de civis okinawanos? Esse é um assunto bastante complexo, sobre o qual espero poder escrever mais no futuro.


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Comentários

3 respostas para “Chibichiri-gama e Shimuku-gama”.

  1. […] Contrariando a expectativa americana, não houve resistência do exército japonês durante o desembarque. No mesmo dia, conseguiram ocupar os aeroportos do norte e do centro (kita hikōjō e chūbu hikōjō, nas cidades de Yomitan e Kadena). Além disso, logo os soldados alcançaram as cavernas onde os moradores da região estavam escondidos. Alguns foram levados para os campos de concentração, mas outros acabaram se suicidando, da mesma forma que nas ilhas Kerama. Um episódio muito conhecido é o das cavernas de Chibichiri-gama e Shimuku-gama. […]

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  2. […] A questão do suicídio forçado em massa é muito polêmica. Para os civis, é um tema extremamente doloroso e importante. O caso de Chibichiri-gama veio à tona de forma mais ampla somente nos anos 1980, devido ao sofrimento, vergonha e trauma de quem havia sobrevivido ao episódio da caverna. Para o governo japonês e conservadores, é um tema ignorado e silenciado – mesmo com os apelos da população okinawana para que seja ensinado nas escolas e assim, não se repita. (Para saber mais: temos um post sobre Chibichiri-gama, comparando-a com Shimuku-gama, onde não houve nenhuma morte – clique aqui.) […]

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