Prêmio Okinawa da Paz e refugiados no Japão

refugiados japão okinawa

O Prêmio Okinawa da Paz

No dia 31 de outubro de 2016, apenas um dia após o encerramento do Sekai Uchinanchu Taikai, Okinawa mostrou que o esforço em direção ao intercâmbio internacional não se restringe a estreitar laços somente com seus descendentes. Nesse dia, o governo da província de Okinawa outorgou o Prêmio Okinawa da Paz à Japan Association for Refugees (JAR), uma organização sem fins lucrativos que oferece suporte aos refugiados no Japão.

De acordo com o site, “o Prêmio Okinawa da Paz é entregue a indivíduos e organizações que trabalham em prol da paz na Ásia e Pacífico, regiões que têm estreita relação histórica com Okinawa (…) O Prêmio Okinawa da Paz foi criado com o objetivo de transmitir ao mundo inteiro o amor pela paz do povo okinawano, na esperança de que todas as pessoas possam viver num mundo cheio de paz, segurança e tranquilidade.”

O prêmio de 10 milhões de ienes, outorgado a cada 2 anos, já premiou várias associações, a maioria dedicada a assistência médica em países da Ásia. A 8ª edição, por sua vez, premiou a Japan Association for Refugees pelo seu esforço em promover uma sociedade multicultural, dando suporte aos refugiados e ao mesmo tempo trabalhando para que os japoneses compreendam melhor a questão do refúgio.

A JAR – Japan Association for Refugees

Eu estava em Okinawa para participar do Uchinanchu Taikai e, ao saber que eu trabalhava com refugiados no Brasil, uma amiga me chamou para ir na cerimônia de premiação do Prêmio Okinawa da Paz. Lá, conhecemos a equipe da ONG e alguns dias depois, quando fui para Tokyo, pude visitar a instituição, que fica em Chiyoda-ku.

Fundada em 1999, a JAR tem recebido pessoas de diversas regiões, como Ásia, Oriente Médio e África. A ONG oferece serviços como assistência legal, assistência social, assistência para o trabalho, além de atuar com advocacy e relações públicas, trazendo o debate sobre refúgio para a sociedade. Possuem panfletos em diferentes idiomas e também oferecem doações de roupas e alimentos. Não tirei fotos do escritório todo devido à questão do sigilo das pessoas que estavam sendo atendidas no local.

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Entrada da ONG
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Mantimentos para doação
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Roupas para doação
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Cartaz em diversos idiomas

Quem são os “refugiados”?

Refugiados são pessoas que saíram de seu país por conta de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política, pertencimento a grupos sociais ou afetadas por conflitos armados e vítimas de grave e generalizada violação dos direitos humanos. Ou seja, são pessoas que se viram obrigadas a sair de seu país por este não assegurar seus direitos. Diferentemente do migrante, pode-se dizer de modo geral que o refugiado não tem escolha e que sair de seu país é a solução para proteger sua vida.

Para obter o status de refugiado a pessoa deve solicitá-lo ao país. Enquanto aguarda a avaliação de seu pedido e o resultado, é considerada “solicitante de refúgio”. Tanto os solicitantes quanto os refugiados devem receber proteção internacional e não podem ser devolvidos à força a seu país de origem.

O relatório Tendências Globais é divulgado pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) todo ano no Dia Mundial do Refugiado (20 de junho). A edição de 2019, divulgada em 2020, revela os seguintes dados:

  • Pelo menos 100 milhões de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas na última década, buscando refúgio dentro ou fora de seus países. São mais pessoas forçadas a se deslocar do que toda a população do Egito, o 14º país mais populoso do mundo.
  • O deslocamento forçado praticamente dobrou na última década: eram 41 milhões de pessoas em 2010, contra 79,5 milhões em 2019.
  • 80% das pessoas deslocadas no mundo estão em países ou territórios afetados por grave insegurança alimentar e desnutrição – e muitas enfrentam riscos relacionados ao clima e desastres naturais.
  • Mais de três quartos dos refugiados do mundo (77%) estão em situações de deslocamento de longo prazo – por exemplo, a situação no Afeganistão, agora em sua quinta década.
  • Mais de oito em cada dez refugiados (85%) estão em países em desenvolvimento, geralmente um país vizinho ao de onde fugiram.
  • Cinco países contabilizam dois terços das pessoas deslocadas além das fronteiras nacionais: Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar.

Abaixo, os dados de Brasil e Japão, além de Turquia (país que mais recebe refugiados), EUA e Alemanha:

refugiados - japão brasil dados

Obs: 1) O Brasil deferiu mais de 21 mil solicitações de venezuelanos no final de 2019, aumentando muito o número de refugiados no país. Até o final 2018 o país tinha 11.231 refugiados. 2) Não estão incluídos nestes números os apátridas e venezuelanos que não solicitaram refúgio.

Refugiados no Japão

Observando os dados, chama a atenção o baixo número de refugiados no Japão – bem menor que todos os países do G7 – as sete economias mais avançadas do mundo – e menor até mesmo que o Brasil. Em todo o ano de 2017, a terceira maior economia do mundo concedeu o status de refugiado a somente 20 pessoas – apesar de ter recebido cerca de 20 mil solicitações. Para comparar, no mesmo ano o Brasil recebeu 33.866 solicitações e reconheceu 587 pessoas como refugiadas.

Refugiados no Japão
Fonte: JAR – Japan Association For Refugees

O Japão recebe críticas por fugir a sua responsabilidade como país signatário da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, adotando uma política extremamente rigorosa para a questão do refúgio. Diz-se que mais do que uma política de “proteção”, o país adota uma postura de “controle” dessa população, pois os procedimentos de avaliação e reconhecimento da situação de refúgio ficam a cargo da Agência de Serviços Migratórios (出入国在留管理庁), havendo falta de clareza e transparência em relação aos seus procedimentos.

No Brasil, por exemplo, o órgão responsável por avaliar os pedidos é o CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e composto por 4 outros Ministérios (Saúde, Educação, Trabalho e Relações Exteriores), mais a Polícia Federal e um representante de ONG (atualmente Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e de São Paulo). A Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) possui voz, mas não voto. O CONARE realiza entrevistas individuais e estuda as situações dos países, para comprovar o fundado temor de perseguição de cada caso.

Voltando ao Japão, há também muita falta de conhecimento sobre o refugiado e muitas pessoas acreditam que seu acolhimento pode trazer problemas para a segurança pública. Além disso, como os solicitantes de refúgio tem direito a uma permissão de trabalho, existe a ideia de que grande parte daqueles que solicitam refúgio no país na verdade estão em busca de um visto de trabalho (o que os caracterizaria como imigrantes) e não estariam, necessariamente, fugindo de perseguições ou guerras. Este seria o motivo pelo qual a quantidade de solicitações cresceu tanto – cerca de 80% em 2017.

O governo reagiu, concedendo a permissão de trabalho somente para solicitantes que passam por uma triagem e tem um parecer positivo. Solicitantes em recurso e que não passam pela triagem correm o risco de serem presos em centros de detenção para imigrantes após a expiração de seu visto. Podem ficar detidos por tempo indeterminado e até serem deportados, o que contraria o princípio do non-refoulement (não devolução) definido pela Convenção dos Refugiados.

Organizações consideram tais medidas como violações dos direitos humanos, devido à arbitrariedade das detenções, como é o caso da jovem curda Mehriban Dursun. Ela chegou ao Japão com seus pais com apenas 6 anos de idade, há mais 16 anos, mas nunca foi reconhecida como refugiada. Quando venceu seu visto de residência temporária, as autoridades se negaram a renová-lo e ela acabou sendo detida por estar no país ilegalmente.

“Omotenashi” para quem?

Em 2013, para convencer o Comitê Olímpico Internacional de que Tóquio era a cidade adequada para sediar os Jogos Olímpicos de 2020, a apresentadora Christel Takikawa utilizou a palavra “omotenashi”, que é difícil de definir, mas que pode ser traduzida como “hospitalidade”, a atitude de receber bem. Foi eleita uma das palavras do ano e tem sido utilizada para definir a educação do povo japonês e a cortesia nos serviços e, sobretudo, para promover o turismo.

Em 2019, o Japão introduziu um novo tipo de visto para atrair trabalhadores não-qualificados, visando enfrentar o problema da falta de mão-de-obra decorrente do envelhecimento da população. Porém, ao mesmo tempo, o tratamento aos solicitantes de refúgio detidos no Centro de Imigração fica cada vez mais rígido.

Vale a pena refletir o porquê deste espírito de hospitalidade não abranger pessoas que buscam refúgio. Na cerimônia de entrega do Prêmio Okinawa da Paz em 2016, as representantes da JAR disseram que muitos japoneses não apoiam a entrada de refugiados no país, pois o Japão não teria um supérfluo para gastar (余裕がない). É possível questionar: se a terceira maior economia do mundo não tem condições, então quem teria?

Esta também é a opinião do Primeiro Ministro Shinzo Abe que, após a Assembleia Geral da ONU em 2015, anunciou: “É uma questão de demografia. Eu diria que antes de aceitar imigrantes ou refugiados, nós necessitamos de mais atividades para mulheres, idosos e devemos aumentar a taxa de natalidade. Há muitas coisas que devemos fazer antes de aceitar imigrantes.”

Mas, antes que algum leitor brasileiro e apressado se sinta representado por essa opinião, seguem algumas informações de utilidade pública sobre refugiados e imigrantes:

  • A entrada de imigrantes/refugiados traz efeitos econômicos positivos e pode ser vista como alternativa aos países que têm enfrentado baixa natalidade (como o Japão), para suprir a falta de mãe-de-obra. Roraima, por exemplo, teve crescimento econômico com a entrada de venezuelanos.
  • Refugiados e imigrantes têm experiências diversas e muito o que acrescentar a um país – trocas culturais são sempre positivas. No Brasil, verifica-se que muitos refugiados falam mais de um idioma e grande parte tem alta escolaridade – ou seja, são uma força de trabalho muito rica.
  • E não, refugiados/imigrantes não roubam empregos. Muitos têm o perfil empreendedor e abrem o próprio negócio, gerando empregos a outras pessoas.
  • No Brasil, pagam impostos como qualquer um – desde os impostos sobre consumo até as cargas trabalhistas.

A questão do refúgio é um tema muito complexo. A quantidade de deslocados no mundo  aumenta a cada dia. Porém, não é um problema que se restringe aos dias de hoje, pois conflitos e guerras tem assolado a humanidade há séculos. A Primeira e a Segunda Guerra Mundial provocaram um grande fluxo de europeus para as Américas, por exemplo. Os japoneses também foram vítimas de uma guerra – com bombardeios, incluindo as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki e com a Batalha de Okinawa (a única batalha terrestre no país). Durante e depois da guerra, pessoas foram obrigadas a deixar seus lares para sobreviver. O próprio Japão, desde o século XIX, incentivou a emigração de milhares de cidadãos quando enfrentava crises econômicas e excedente populacional. Hoje, japoneses e seus descendentes estão espalhados pelo mundo. Entretanto, muitas pessoas ainda tem preconceito e muitos países, incluindo o Japão, seguem ignorando a questão humanitária e mantendo uma política pouco acolhedora para imigrantes e refugiados.

Chegou até aqui e quer ajudar os refugiados?

Atualmente existem diversas organizações que apoiam refugiados e migrantes, veja algumas aqui.

Faça sua doação!


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Comentários

2 respostas para “Prêmio Okinawa da Paz e refugiados no Japão”.

  1. Avatar de TIFFANY CHUNG
    TIFFANY CHUNG

    Hi there, I’ve come across this blog while researching on Okinawa during the Allied Occupation for a museum project. Although I don’t understand Portugese, I’m able to read using Google Translate :)) Just want to reach out to say thank you for such great work! Your stories and info here are very well-researched and informative. Keep up the amazing work!

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    1. Avatar de okinawando

      Thanks for your comment! 😉

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